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‘Arcos levantados’ para a Camerata Atlântica!

Ana Sofia Malheiro in Glosas, 22 Mai 2022 notícia online

Bows Up! é o mais recente trabalho da Camerata Atlântica, projeto fundado em 2013 por Ana Beatriz Manzanilla, violinista da Orquestra Gulbenkian e diretora artística da formação lisboeta. Com efeito, os “arcos levantaram-se”, apresentando-nos um pouco do que de bom a música portuguesa para orquestra de cordas tem a oferecer. O período temporal circunscreve-se aos séculos XX e XXI, retratados pelas obras de Sérgio Azevedo, Joly Braga Santos e António Fragoso. Esta ordem cronológica inversa deve-se ao modo de apresentação dos mesmos na capa do disco, embora tal também não corresponda com a ordem de aparecimento dos compositores ao longo das obras escolhidas.

O CD, lançado já a 3 de dezembro de 2021, perfaz um total de quase uma hora e conta com uma série de estreias mundiais, já que parte do repertório trata obras dedicadas à própria Camerata, obras essas encomendadas a Sérgio Azevedo, que foi também assistente musical deste projeto. O compositor coimbrense, considerado um dos mais importantes da sua geração, é o responsável pela renovada e livre orquestração da Suite romantique (1916) de Fragoso, obra inicialmente pensada para violino e piano, trabalho encomendado pelos seus herdeiros aquando do centenário da sua morte e que o representa, agora, neste álbum da NAXOS Records.

Com efeito, o CD inicia-se com as contribuições de Sérgio Azevedo: a Sinfonietta para cordas (2019); parte do Concerto romântico (2018), inspirado na já citada Suite romantique; e Música para cordas – em memoriam Béla Bartók (2021), um tributo aquando do 140º aniversário de nascimento do compositor. A primeira obra, disposta em 3 andamentos, narra um caminho de ascensão — de Inquieto a Hino —, embora encerre de forma abrupta. Destaco a fluidez com que o caráter da obra neoclássica se vai reconfigurando, passando de um coral renascentista para um estilo de dança folclórica, caraterística conseguida pela notável qualidade composicional, mas também interpretativa. Segue-se um Prélude, cuja sonoridade denuncia as inspirações afrancesadas de Fragoso. Neste caso, apenas se incluiu o primeiro andamento do tributo, já que é o único exclusivo para formação de cordas (os restantes incluem também harpa e percussão). Face ao papel solístico virtuoso, saliento a exímia e cuidada prestação do violino. Já na peça intermédia do álbum, Sérgio Azevedo evoca Bartók, algo muito claro no primeiro andamento — Fantasia contrappuntistica — cujas melodias remetem para a aclamada Música para cordas, percussão e celesta. Ainda que as ligações dos restantes três andamentos não sejam tão lineares, conserva-se a natureza cromática e contrapontística, elementos que dialogam na perfeição em Deciso, no qual se dissolve, progressivamente, a tensão construída, conduzindo ao belíssimo terceiro andamento, Mesto.

Por fim, chegamos ao Concerto em ré menor (1951) de Joly Braga Santos, uma das obras portuguesas mais tocadas em todo o mundo. Apresenta-se mediante um ambiente neo-modal, com forte influência do canto popular alentejano, fusões herdadas de Freitas Branco, seu predecessor. A linguagem de Braga Santos marca-se tão própria quanto bela, sendo destacada pelo brio da interpretação. Entre as passagens mais proeminentes, destaco o final do primeiro andamento, Largamente maestoso — Allegro, assente num preenchido ostinato que conduz ao pesaroso motivo do segundo andamento, um Adagio non troppo, também este com secções de enorme competência. A compilação finaliza com um rondó rápido, em ambiente de festa, de planos contrapontísticos fascinantes.

Ainda que exclusivo das plataformas digitais, o lançamento inclui também um single que estreia mundialmente as Duas melodias de Luís de Freitas Branco, material disponível em https://open.spotify.com/album/4Vl0k0dNwsKtd7Xv8BMgch. Também nesta obra a interpretação foi apaixonante, sem nunca perder a matriz de coesão e equilíbrio. Segundo o pequeno livro de comentários sobre as obras e compositores a tratar, elemento disponibilizado com o CD, este bónus deve-se ao entendimento do compositor como o primeiro de uma linguagem de compositores modernos, na qual se encontram também António Fragoso e Joly Braga Santos, embora este entendimento não seja categoricamente 22consensual entre a comunidade musicológica. Ainda assim, considero que os textos complementares perfazem uma adição de muita qualidade e interesse, apesar de não poder deixar de frisar a ausência de comentários em versão portuguesa, num álbum que se propõe festejar a música nacional. Esta falha marca-se ainda mais relevante se confrontada com alguns parênteses tecidos, já que se é verdade que Portugal está, muitas vezes, atrasado em relação à evolução europeia, são também estes esforços que podem colmatar tal fosso.

Em relação à escolha da capa do disco e do singledestaca-se a escolha de uma foto do Palácio Fronteira, em Lisboa, que, ao ser apresentada sob uma edição diferente, tanto a nível de cores, quanto de perspetiva, parece tratar dois cenários distintos, ainda que complementares. Não obstante, a ligação entre o repertório interpretado e a belíssima casa-museu do século XVII não se mostra clara, pelo que julgo ser consequente da ligação entre a diretora artística da Camerata Atlântica e o espaço, no qual colabora também como diretora musical.

É, sem dúvida alguma, importante apoiar projetos como este, pelo que deixo também aqui a minha felicitação à Fundação GDA, à Direção Geral das Artes, à Câmara Municipal de Cascais, à Fundação Dom Luís, à editora AvA Musical Editions e ao  Auditório Boa Nova, local no qual tudo foi gravado, ainda em 2020. Além da sempre recomendada compra física, é também possível ouvir em formato online, tudo isto em https://camerataatlantica.pt/shop/bows-up/.

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